sábado, 9 de junho de 2012
Tango - sexo - tristeza
Tango a Canção de Buenos Aires de Ernesto Sábato.
Tradução Beatriz Rota-Rossi
Vários pensadores argentinos ligaram o tango ao sexo ou, como Juan Pedro Echagüe classificaram o tango como uma mera dança lasciva. Penso que seja exatamente o contrário.
É certo que o tango surgiu no lenocínio, mas esse fato deveria nos fazer suspeitar que deve ser o reverso de uma moeda, já que a criação artística é um ato quase invariavelmente antagônico, um ato de fuga ou de rebeldia. Cria-se o que não se tem, o que de certa forma é objeto de nossa ansiedade e de nossa esperança, ou o que magicamente nos permite evadir da dura realidade cotidiana. Neste caso, a arte é similar ao sonho. Só uma raça de homens apaixonados e carnais como os gregos podiam inventar a filosofia platônica, uma filosofia que recomenda desconfiar do corpo e de suas paixões.
O bordel é o sexo no estado de (sinistra) pureza. O solitário imigrante europeu que lá entrava resolvia facilmente seu problema sexual, como diz Tulio Carella: com a trágica facilidade com que esse problema se resolve nesse sombrio estabelecimento.
Não era com isso que se preocupava o solitário homem de Buenos Aires, nem o que evocava em sua canção nostálgica e, por vezes, canalha. Era precisamente com o contrário: a nostalgia da comunhão e do amor, a saudade da mulher; não a presença de um instrumento de luxuria.
En mi vida tuve muchas, muchas minas
Pero nunca una mujer.
(Em minha vida tive muitas, muitas minas, mas nunca uma mulher)
Nesse contexto, o corpo do Outro é um simples objeto e o simples contato com sua matéria não propicia transcender os limites da solidão. Motivo pelo qual, o ato sexual é duplamente triste, já que não somente deixa o homem na solidão inicial, mas porque a agrava e escurece com a frustração do intento.
É este um dos mecanismos que pode explicar a tristeza do tango, tantas vezes unida à desesperança, ao rancor, à ameaça e ao sarcasmo.
Há no tango um ressentimento erótico e uma tortuosa manifestação de sentimento de inferioridade, já que o sexo é uma das formas primárias do poder.
(...)
O crescimento vertiginosos e tumultuado de Buenos Aires, a chegada de milhões de imigrantes esperançosos e, quase invariavelmente frustrados, a nostalgia da pátria, o ressentimento dos nativos contra a invasão, a sensação de fragilidade e insegurança de um mundo que se transformava vertiginosamente. Tudo isso aliado a não poder encontrar um sentido certo para a existência, a absoluta falta de hierarquias. Esse enorme universo se manifesta na metafísica tanguística.
O machismo (em virtude do enumerado acima) é um fenômeno muito peculiar do habitante da cidade de Buenos Aires. Sente-se obrigado a ser macho ao quadrado ou ao cubo, não seja que num descuido, seja considerado somente macho à primeira potência.
Ernesto Sabato
Ernesto Sabato é ensaísta, crítico polêmico, escritor traduzido nos cinco continentes, premiado internacionalmente.
Livros com várias edições em português: “Sobre Heróis e Tumbas” e “O Túnel”
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