quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Crônica anunciada

Poucos dias atrás, mostrando a obra de Hélio Oiticica aos meus alunos, comentei a preocupação de Lygia Pape com o destino do acervo do artista. Um aluno falou:
- É tudo tão frágil! Se pegar fogo não vai se salvar nada!
O país que tem um Hélio Oiticica representando a excelência da arte nacional nos museus do mundo, deveria mostrar seu orgulho no através do respeito e cuidado para com a sua obra.
Por que o Brasil deleta seus heróis de sua memória?
Hélio não gostaria da palavra “heróis”. Era antimito convicta e decididamente antimito. assim como seus Parangolés são antitudo o preestabelecido pelos dogmas da “bela-arte”.
Hélio vestiu a cor e fez com que dançasse, libertando-a de sua condição de elemento estático, com a sábia colaboração dos passistas da Mangueira.
Tive a oportunidade de “sentir”, em Buenos Aires, lá pela década de 70, a instalação Cosmococa - Quase Cinema, que realizou em Nova York, com Neville de Almeida – uma experiência única, que mudou radicalmente minha concepção de arte.
Mas foram os Parangolés que me fascinaram e me fascinam ainda hoje – lúdicos, irreverentes, aparentemente mal acabados, a “não-obra-de-arte” e, no entanto, uma obra densa como poucas.
Hélio diz:
O Parangolé não era, assim, uma coisa para ser posta no corpo, para ser exibida. A experiência da pessoa que veste, para a pessoa que está fora vendo a outra se vestir, ou das que vestem simultaneamente as coisas, são experiências simultâneas, são multiexperiências. Não se trata, assim, do corpo como suporte da obra; pelo contrário, é a total in(corpo)ração. É a incorporação do corpo na obra e da obra no corpo. (OITICICA apud FAVARETTO, 2000, p. 107)

Vestir a cor! Tão simples!
Em 2005, por ocasião dos 25 anos de sua morte, os Parangolés – adormecidos como espectros nos pregos, voltaram a dançar, embalados pelo som dos tropicalistas.
Matamos a saudade.
Sentiremos saudades do que foi devorado pelas chamas?
O futuro, sem dúvida, sentirá.
Eu prefiro lembrar o gosto do fascínio e, como Hélio responderia:

“Em Nova York me perguntavam: não tem saudade da Mangueira? E do Rio? Eu respondia que não posso ter saudades da Mangueira, porque sou da Mangueira. Não sentia saudades, porque comi a fruta inteira. Saudade só sente quem deu apenas uma dentada”. (OITICICA apud FAVARETTO, 2000, p. 221).

Atenção! Essas palavras não diminuem em absolutamente nada a responsabilidade de quem deixou o incêndio acontecer.
Beatriz Rota-Rossi

Bibliografia
FAVARETTO, Celso. A invenção de Hélio Oiticica. 2ª ed. São Paulo: Edusp, 2000.

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